quarta-feira, setembro 29, 2004

As mulheres de Truffaut

A racionalização sempre salva nas piores oportunidades. Não há mais chance de ser ridículo depois de se pensar melhor. Antes de tomar qualquer atitude drástica, antes de cair no absurdo de se tornar um palhaço. Nem ridículo nem feliz.

Oferecer gim não vai melhorar em nada as besteiras que já foram feitas. As besteiras esquecidas e as eternas. E coloca logo um sapato que isso de andar descalço é muito perigoso. Tudo bem se os meus olhos brilham. Tudo bem se desde sempre você achou isso bonito, tudo bem se parece que estou sempre a ponto de chorar. Tá bom que dá para sentir o meu perfume de longe e que parece mesmo que não é perfume, que é meu mesmo. Que é bom. Não importa mais, esquece isso que eu já esqueci.

Você flutua pensando que o mundo é só seu, que o olhar dos outros é seu, que a esperança de beleza no mundo todo é sua. E isso cai de uma vez e você sente os seus pés no chão quando para e pensa de novo. Uma vez mais para descobrir que o egocentrismo tem limite, mesmo para você, que não merece.

É universal. A quantidade de coisas dando imediatamente errado é sempre maior do que as coisas que dão certo no que chamam de longo prazo. Aí a cadeira fica mais dura, o trânsito mais cheio, a gola da camisa mais apertada e o trabalho mais chato. Tudo se torna infinitamente menos interessante, mais cinza do que branco, mais rosa que vermelho.

Existem dois tipos de pessoas. As que juram que a vida é bonita e os que já sentiram pelo menos uma vez o pé no chão. Se a coluna doeu, se o ódio regular aumentou, pronto.

E as situações absurdas são apaixonantes justamente por não se encaixarem nos dois casos. Por não fazerem sentir nem uma coisa nem outra. A autoconsciência explícita em todos os momentos incomoda demais. Quando não podemos definir o que se é, nas mais deliciosas situações absurdas, a vida é cem vezes mais interessante. Me conta uma história e me faz dormir? Qualquer coisa. Pode mentir. É só até eu pegar no sono. E apaga a luz.

Produzir os seus gestos e tentar entender os desejos de forma artificial. As mais diferentes idéias que se tem de si e do resto da humanidade dependem apenas da vontade de esconder o seu próprio estado de existência. O pensamento deve ser produto contínuo de sua própria existência. O modo como se produz a própria vida é o que cada um é de verdade. Não saber de tudo é reconfortante então.

Você quer que eu seja o tipo de mulher que quase não existe por aí. Não acha que está exigindo demais? E para quê? Para te satisfazer? Aí está uma novidade. Jamais serei como as mulheres de seus filmes preferidos. Simplesmente porque não quero.