domingo, novembro 21, 2004

Sem título

Haroldo Ceravolo Sereza: Uma gripe

“Ela engripou pela segunda vez, e pela segunda vez
lançou seu corpinho por sobre a cama como quem
deseja espalhar-se indefinidamente. Parecia um
escargô, escapado da concha, parecia um boizinho,
um carneirinho jogado no pasto, movimentando
apenas as mandíbulas e deixando praticamente
estéril o solo que sua boca podia alcançar.

...

Ela passava o diazinho, claro, porém um
tanto nublado, sentada na cadeira de
palha. Vestia verde, verde e vermelho,
corezinhas que combinavam com seu
novíssimo corte de cabelo, e pensei que
talvez houvera mudado seu rosto por
todo o sempre.

Ela, dona daquele dedão que de início
considerei tão estranho, comportava-se
como um simpático e febril doente, que
não chega a ocupar, mas que exige
atenção especial para espirrozinhos,
tossezinhas, ranhozinhos.
Ela estava mesmo bonitinha.”


Prometo nunca mais acreditar na diversidade das pessoas. Queria pegar o carro mais vezes, sozinha, usando roupas formalíssimas, brincos dourados e sapato de salto no chão do carona. Olhar para os lados e não reconhecer uma só rua, uma só esquina. E precisar de alguém que seja a única pessoa na Terra a me indicar o caminho certo. Com paciência, à distância, boas risadas.

Eu não queria ficar gripada.